Tomar consciência de que o mundo não suporta mais a forma como o exploramos é o primeiro passo para a mudança. E muitos chefes, em todo o mundo, já abraçam este compromisso e fazem dos seus restaurantes exemplos de mudança. Casos inspiradores que nos mostram que a sustentabilidade é um caminho sem fim à vista e onde cabe toda a criatividade.
Calcula-se que a comida desperdiçada por cada um represente mais emissões de CO2 do que o automóvel que conduz diariamente! Por isso, a redução dos desperdícios alimentares é um bom ponto de partida para a mudança, quer no contexto familiar quer no contexto da restauração, onde o problema é colossal. Não admira que para muitos chefes esta tenha sido a prioridade para reduzir a pegada ecológica dos seus restaurantes. Foi o caso de Massimo Bottura, chef da Osteria Francescana, restaurante de Modena, Itália, com três estrelas Michelin.
Ainda recentemente, em finais de Setembro, Bottura foi distinguido, em Nova York, com o “Sustainability Forward Award”, um prémio para chefes que aliam o seu trabalho à sustentabilidade. Esta distinção, concedida pela publicação sueca “White Guide”, reconheceu Bottura pelo seu projeto “Food for Soul” (“Comida para a Alma”), que combate o desperdício de alimentos oferecendo refeições a pessoas carentes, todas confeccionadas com ingredientes que iriam para o lixo. A ideia surgiu em 2014, no decorrer da Expo Milão, quando Bottura se lembrou de recuperar o conceito de refeitório para alimentar pessoas necessitadas. Apesar do curto tempo de vida, o Reffettorio Ambrosiano, nome dado a este restaurante pop up, foi um sucesso tão grande que continuou após a Expo terminar, através da organização Food For Soul. O êxito deste projeto fez com que se estendesse a outros países, nomeadamente ao Brasil, durante os últimos Jogos Olímpicos, onde contou com o envolvimento do Chef Alex Atala.
Este é outro dos nomes associados à sustentabilidade. Alex Atala, dono do D.O.M. em São Paulo, é uma voz na luta pela preservação da floresta Amazónica, pelos direitos das comunidades indígenas e pela valorização do biológico. Além de vários projetos de reaproveitamento de comida, este chefe trouxe para as suas criações produtos da Amazónia como o tucupi, um líquido extraído de um tipo de mandioca, o jambu, uma erva que transmite uma sensação eléctrica no contacto com a língua, o palmito pupunha, os peixes filhote e o pirarucu ou as formigas. Alexa Atala tem ainda mostrado que as parcerias com pequenos produtores não só permitem o escoamento das culturas como são uma forma de contornar os perigos da agricultura intensiva que usa e abusa dos agro-tóxicos.
Também nos Estados Unidos, Dan Barber, proprietário dos restaurantes Blue Hill e Blue Hill at Stone Barns, considerado pela revista Forbes, em 2009, como uma das cem pessoas mais influentes do mundo, se tornou um ativista da agricultura biológica. Na sua própria quinta cria todos os animais que utiliza, além de produzir legumes, verduras, frutas e leite. Ter a própria produção é o sonho de muitos chefes, quer sejam jovens chefes ou nomes consagrados. Na Dinamarca, Jonathan Tam, chefe do Relæ, considerado o Restaurante Mais Sustentável do Mundo em 2015, também tem a sua própria quinta onde produz vegetais, animais e o vinho biodinâmico. Aqui o transporte dos produtos é inclusive feito de bicicleta. Thomas Keller, o único chef americano até hoje a entrar no Guia Michelin com três estrelas, abastece em grande parte o The French Laundry com vegetais, frutas e ervas vindos dos jardins e estufas de Napa Valley, nas proximidades do restaurante. Além disso desenvolveu projetos que destacam pela simplicidade e pioneirismo como o aquecimento de água por um processo geotérmico ou a purificação da água pelo processo de filtragem sueco Nordaq Fresh.
Os irmãos Roca, donos do conhecido El Celler de Can Roca, em Girona, Espanha. duas vezes o melhor restaurante do mundo pela revista Restaurant, também são conhecidos por enfatizar a importância da produção e cultivo locais dos alimentos, bem como o respeito pelo meio ambiente. Joan, Josep e Jordi Roca trabalham actualmente com o Fundo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) para promover a segurança alimentar, a nutrição adequada e a transformação das práticas de produção e distribuição de alimentos rumo a um futuro com menos desperdício e danos para a natureza. Um dos projetos dos irmãos Roca é a criação de centros de formação para disseminar métodos sustentáveis de produção e melhorar as condições de mercado enfrentadas por pequenos agricultores. Estes projetos, testados em África, vão promover a criação de novos postos de trabalho, a igualdade de género e a capacitação dos agricultores.
Estender as suas ações à comunidade tem sido também o foco de Maria Hines, chefe do restaurante Tilth, na Austrália. Além de trabalharem apenas com produtos biológicos, Maria e a sua a equipa criaram o programa Seattle Tilth, onde qualquer pessoa interessada em práticas sustentáveis na gastronomia podem participar em eventos, aulas e até mesmo jardinagem. Ao nível da sensibilização da comunidade, o exemplo com maior visibilidade talvez seja Jamie Oliver. Esta estrela de televisão impulsionou um debate à volta da alimentação das crianças nas escolas e foi notícia por ter ganho uma ação contra o gigante McDonald’s, depois de ter acusado a cadeia de fast food mais conhecida do mundo de misturar a carne com amoníaco.
Os livros escritos pelos chefes, comuns nos últimos tempos, são outra das ferramentas que permitem levar a sustentabilidade ao maior número de pessoas. É o caso de Sean Sherman do restaurante Sioux Chef em Minneapolis. Este chefe está a trazer de volta a gastronomia indígena norte-americana através do seu livro “The Sioux Chef’s Indigenous Kitchen”, dando a conhecer os benefícios físicos e mentais da alimentação dos índios. Partindo da sabedoria antiga, Sherman abriu o primeiro restaurante e mercearia indígena da América do Norte, sem recorrer ao uso de energias fósseis. Chefes conscientes como estes são, felizmente, cada vez e apesar de serem ainda uma minoria, servem de inspiração e esperança para as equipas empenhadas na redução da sua pegada ecológica.